domingo, 19 de novembro de 2017

EMPREGO DE FORÇA E USO DE ALGEMAS NA ATIVIDADE POLICIAL

Por: Doutor WESLEY CAETANO

O uso da força deve ser evitado na execução do mandado de prisão ou prisão em flagrante, a não ser que seu emprego seja imprescindível para impedir a fuga ou conter a resistência do indivíduo. Configura crime de abuso de autoridade, a aplicação desnecessária de força ou o seu excesso, podendo resultar, inclusive, em vários outros delitos, como lesões corporais, homicídio etc.

Saliente-se que a resistência à prisão pode ocorrer de maneira ativa ou passiva. Na primeira forma, o agente ataca o executor da medida, autorizando que este faça uso da força para contê-lo, de tal modo que se a agressão colocar em risco a vida do policial este poderá, inclusive, tirar a vida daquele, pois estará agindo mediante uma excludente de ilicitude, qual seja, a legítima defesa. Já a resistência passiva ocorre quando o sujeito se debate para não colocar as algemas ou para não entrar na viatura, o que também autoriza o uso da força por parte do executor, que agirá em estrito cumprimento de dever legal.

O agente que desobedece a ordem de prisão, a depender do caso concreto, comete crime de Resistência (art. 329CP), Desobediência (art. 330CP), Desacato ou evasão mediante violência contra a pessoa (art. 352CP). Presente, portanto, qualquer abuso, as referidas hipóteses que excluem a ilicitude não podem prosperar. O uso de algemas só pode ocorrer mediante resistência ou quando há fundado receio de que o agente tentará fugir e, ainda, quando a vida ou integridade de terceiro estiver objetivamente ameaçada. Fora dessas hipóteses, caracterizado estará o delito de abuso de autoridade.

No Tribunal do Júri, o uso de algemas deve ser procedido com muita cautela, pois isso pode influenciar na opinião dos jurados, que julgam de acordo com a íntima convicção. Inclusive, pode até mesmo gerar a nulidade do julgamento no Júri, uma vez que atenta diretamente contra a dignidade do réu, além de violar o princípio constitucional da presunção de inocência.

Disciplinando a matéria, a Lei n. 11.689/08 alterou o teor do art. 474 do CPP, prevendo em seu § 3º que não "se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança de testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes".
Caso o uso de algemas seja necessário, tal circunstância deverá ser justificada no termo de audiência. A nulidade, se presente, poderá ser discutida em preliminar de futura apelação.
O STJ e o STF entendem que não há constrangimento no uso das algemas no recinto do júri quando a medida se demonstrar conveniente para a ordem dos trabalhos e segurança dos presentes.

Com o escopo de evitar abusos no uso de algemas, o STF editou a Súmula Vinculante n. 11, "in verbis":
"Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado."
Perceba que a supracitada Súmula ainda prevê que a falta ou inconsistência de justificação no uso de algemas gera responsabilidade disciplinar (procedimento administrativo na corregedoria da instituição), civil (indenização oriunda dos danos morais e materiais produzidos) e criminal. Além disso, convém destacar que o Estado também se responsabiliza objetivamente pelos atos do servidor.

Ressalte-se que o art. 234 do Código de Processo Penal Militar postula que "o emprego de força só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga", permitindo, também, o uso de meios necessários para vencer resistência da parte de terceiros ou para defender o executor da prisão e seus auxiliares, podendo o ofensor ser preso, o que será lavrado por escrito e assinado pelo executor e por duas testemunhas. O § 1º do mesmo dispositivo diz que "o emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, e de modo algum será permitido nos presos a que se refere o artigo 242". Note que tal dispositivo afirma que os sujeitos mencionados no art. 242 do mesmo diploma legal (determinadas autoridades e portadores de diploma superior) não podem ser presos com o emprego de algemas nem mesmo quando haja perigo de fuga ou de agressão por parte do preso. Ora, é evidente que essa norma fere o princípio constitucional da isonomia.

Reitera-se que é de suma relevância que o emprego de força e o uso de algemas sejam objetivamente justificados. O próprio juiz, quando conhecedor da periculosidade do sujeito, pode fazer constar no mandado de prisão a necessidade do emprego de algemas ou pode delegar a análise de tal medida ao delegado responsável pelo cumprimento da ordem. Nada impede, porém, que o executor justifique o uso de algemas quando não há manifestação do magistrado nesse sentido.

Conforme se viu acima, é sabido que o uso indiscriminado de algemas pode acarretar a nulidade dos atos processuais. Essa questão, todavia, requer muita cautela. Não é razoável o advento da nulidade quando o agente é algemado em situação não prevista pela Súmula Vinculante n. 11, em circunstância tal que não gera prejuízo significante para o preso. Destarte, a nulidade pode ser decisão acertada quando, por exemplo, o réu é algemado no Tribunal do Júri, pois isso pode influenciar na opinião dos jurados e até mesmo do juiz, promotor, testemunhas, peritos e vítimas. Entretanto, o mesmo não pode ser dito quando o indivíduo é algemado para ser levado até o local onde fará exame de corpo de delito.
Importante dizer, enfim, que o relaxamento da prisão em virtude de abuso ou excesso no emprego de força ou uso de algemas não obsta que seja decretada nova prisão processual, o que se fará quando existir elementos que autorizam a medida.



 Fonte: jusbrasil.com.br

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