Por: Doutor WESLEY CAETANO
O uso da força deve ser
evitado na execução do mandado de prisão ou prisão em flagrante, a não ser que
seu emprego seja imprescindível para impedir a fuga ou conter a resistência do
indivíduo. Configura crime de abuso de autoridade, a aplicação desnecessária de
força ou o seu excesso, podendo resultar, inclusive, em vários outros delitos,
como lesões corporais, homicídio etc.
Saliente-se que a resistência
à prisão pode ocorrer de maneira ativa ou passiva. Na primeira forma, o agente
ataca o executor da medida, autorizando que este faça uso da força para
contê-lo, de tal modo que se a agressão colocar em risco a vida do policial
este poderá, inclusive, tirar a vida daquele, pois estará agindo mediante uma
excludente de ilicitude, qual seja, a legítima defesa. Já a resistência passiva
ocorre quando o sujeito se debate para não colocar as algemas ou para não
entrar na viatura, o que também autoriza o uso da força por parte do executor,
que agirá em estrito cumprimento de dever legal.
O agente que desobedece a ordem
de prisão, a depender do caso concreto, comete crime de Resistência (art. 329, CP), Desobediência
(art. 330, CP), Desacato ou
evasão mediante violência contra a pessoa (art. 352, CP). Presente,
portanto, qualquer abuso, as referidas hipóteses que excluem a ilicitude não
podem prosperar. O uso de algemas só pode
ocorrer mediante resistência ou quando há fundado receio de que o agente
tentará fugir e, ainda, quando a vida ou integridade de terceiro estiver
objetivamente ameaçada. Fora dessas hipóteses, caracterizado estará o delito de
abuso de autoridade.
No Tribunal do Júri, o uso de
algemas deve ser procedido com muita cautela, pois isso pode influenciar na
opinião dos jurados, que julgam de acordo com a íntima convicção. Inclusive,
pode até mesmo gerar a nulidade do julgamento no Júri, uma vez que atenta
diretamente contra a dignidade do réu, além de violar o princípio
constitucional da presunção de inocência.
Disciplinando a matéria, a Lei
n. 11.689/08 alterou o teor do
art. 474 do CPP, prevendo em seu
§ 3º que não "se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período
que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem
dos trabalhos, à segurança de testemunhas ou à garantia da integridade física
dos presentes".
Caso o uso de algemas seja
necessário, tal circunstância deverá ser justificada no termo de audiência. A
nulidade, se presente, poderá ser discutida em preliminar de futura apelação.
O STJ e o STF entendem que não
há constrangimento no uso das algemas no recinto do júri quando a medida se
demonstrar conveniente para a ordem dos trabalhos e segurança dos presentes.
Com o escopo de evitar abusos
no uso de algemas, o STF editou a Súmula Vinculante n. 11, "in
verbis":
"Só é lícito o uso de
algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à
integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros,
justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade
disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão
ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do
Estado."
Perceba que a supracitada
Súmula ainda prevê que a falta ou inconsistência de justificação no uso de
algemas gera responsabilidade disciplinar (procedimento administrativo na
corregedoria da instituição), civil (indenização oriunda dos danos morais e materiais
produzidos) e criminal. Além disso, convém destacar que o Estado também se
responsabiliza objetivamente pelos atos do servidor.
Ressalte-se que o art. 234 do Código de Processo
Penal Militar postula que "o emprego de força só é permitido
quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de
fuga", permitindo, também, o uso de meios necessários para vencer
resistência da parte de terceiros ou para defender o executor da prisão e seus
auxiliares, podendo o ofensor ser preso, o que será lavrado por escrito e
assinado pelo executor e por duas testemunhas. O § 1º do mesmo dispositivo diz
que "o emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de
fuga ou de agressão da parte do preso, e de modo algum será permitido nos
presos a que se refere o artigo 242". Note que tal dispositivo afirma que
os sujeitos mencionados no art. 242 do mesmo diploma legal (determinadas autoridades
e portadores de diploma superior) não podem ser presos com o emprego de algemas
nem mesmo quando haja perigo de fuga ou de agressão por parte do preso. Ora, é
evidente que essa norma fere o princípio constitucional da isonomia.
Reitera-se que é de suma relevância
que o emprego de força e o uso de algemas sejam objetivamente justificados. O
próprio juiz, quando conhecedor da periculosidade do sujeito, pode fazer
constar no mandado de prisão a necessidade do emprego de algemas ou pode
delegar a análise de tal medida ao delegado responsável pelo cumprimento da
ordem. Nada impede, porém, que o executor justifique o uso de algemas quando
não há manifestação do magistrado nesse sentido.
Conforme se viu acima, é
sabido que o uso indiscriminado de algemas pode acarretar a nulidade dos atos
processuais. Essa questão, todavia, requer muita cautela. Não é razoável o
advento da nulidade quando o agente é algemado em situação não prevista pela
Súmula Vinculante n. 11, em circunstância tal que não gera prejuízo significante
para o preso. Destarte, a nulidade pode ser decisão acertada quando, por
exemplo, o réu é algemado no Tribunal do Júri, pois isso pode influenciar na
opinião dos jurados e até mesmo do juiz, promotor, testemunhas, peritos e
vítimas. Entretanto, o mesmo não pode ser dito quando o indivíduo é algemado
para ser levado até o local onde fará exame de corpo de delito.
Importante dizer, enfim, que o
relaxamento da prisão em virtude de abuso ou excesso no emprego de força ou uso
de algemas não obsta que seja decretada nova prisão processual, o que se fará
quando existir elementos que autorizam a medida.
Fonte: jusbrasil.com.br
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